Porque na iminência do movimento as forças de resistência se igualam à força aplicada. Deveria ser um momento de tensão. Mas não. É a mais perfeita calmaria. É o último instante de calmaria antes do caos. Calmaria, esta, causada por essa quase tensão. Mesma intensidade e direções diferentes. Assim sou eu: duas forças de mesma intensidade - razão e emoção - exercidades em sentidos opostos. Equilíbrio? Tensão camuflada? Eu diria que isso é ser pessoa.




sexta-feira, 26 de março de 2010

Passamos muito tempo em busca de uma verdade que pudesse ser verdadeira independentemente do homem. Isso por si só já é um absurdo,embora possível. Agora querer uma verdade sobre o homem e independente dele é o pior de todos os paradoxos que eu já ouvi.

domingo, 14 de março de 2010

É tempo

Chega de crise, é hora de crescer
Chega de criancice, é hora de equilibrar
É chegada a hora, já é quase tarde
Esse é o momento de assumir o controle do meu destino
Esse é o momento de perdê-lo

Essa é a hora da estrela
A hora de morrer
O fim nada mais é do que o recomeço
Ou o meio, ou o terço
É hora de recomeçar

Juntar toda a experiência
Esvaziar o copo
Esvaziar o corpo
Ficar nua
Nua sentir tudo
A dor, o prazer, a saudade...
E por fim, depois da metamorfose
Chegar ao estado de mulher.

Chega de crise, é hora de crescer
Chega de criancice, é hora de equilibrar
É hora de vestir-me, maquiar-me
É hora de escolher a roupa
E a máscara

Fui sincera sim
Mas não devia

Chega de crise, é hora de crescer
Chega de criancice, é hora de equilibrar
Já passou da hora, já é quase cedo
E eu já deveria estar em casa
“- O que mais você quer?”
Será que só chamar a atenção?
Será que só parecer livre já basta?

Hipócrita! – ou apenas uma orgulhosa volúvel?
Cigana oblíqua! – ou apenas intensa?
Mas os teus olhos não são como o mar
Nem há tanto mistério em teu olhar
Quem te mandou ser sincera?
Quem te mandou se entregar?
O orgulho é tua maior virtude
E a sinceridade, teu pior vício
Para com os outros

Contigo ainda convém que sejas verdadeira
Todavia, sai de dentro da tua cabeça, mulher!
Já sabes a dor que saber causa
E sabes que não deves escolher não saber
Escolhe, pois, ao menos, o único saber que ainda vale a pena:
O prático

E sente!
Sente tudo quanto podes
Enquanto podes
Pois as primeiras coisas que morrem
São os sentidos
Então surge aquele sentimento de nostalgia
E a vida fica, literalmente
Sem sentido algum
A morte do corpo é nada mais
Que a perca de sentido

Chega de crise, é hora de crescer
Chega de criancice, é hora de equilibrar
É tempo de começar a viver

sexta-feira, 12 de março de 2010

Às raízes

O meu fim evidente, embora não seja atar as duas pontas da vida, é sim a restauração, o voltar a ser. Sim, não sou mais. Estou apenas. E esta volubilidade me cansa. Eu provei todas as máscaras e é incrível como todas me caíram bem – deveria, eu, ser ator? -, mas o ser o que se quer tem por preço o não ser o que se é e nessa relação custo x benefício não há caráter de equivalência.

Quero voltar a ser humano. Quero experimentar todas as sensações (senti-las não é suficiente, é necessário vivê-las de fato) desejo do fundo de minha alma a experiência do místico. Desejo ter fé. Quero ter a coragem de matar e de morrer por causas, ainda que perdidas, desde que eu acredite nelas. Quero proferir um discurso retórico. Quero sabedoria em vez de inteligência, quero amor em vez de paixão (mas ainda quero a intensidade e a volúpia da paixão, ou melhor, quero amor e paixão). Quero ser tão humano a ponto de ser divino.

Quero cometer todos os erros aos quais tenho direito. Quero me arrepender (de ter feito e nunca de não tê-lo) e chorar. Chorar de raiva, de emoção, só não vou chorar de tristeza. Quero não saber (mesmo sabendo que não devo querer). Saber implica na responsabilidade de fazer mas para fazer é preciso mais que coragem, é necessário assumir que sei e dizer que sei é prepotência, muito embora não dizê-lo, sabendo que sei, seja covardia.

Quero a liberdade dos românticos, a delicadeza do bater de asas do beija-flor, quero a honra grega. Quero voltar à semente, ao estado de latência, à inércia, pois só na inércia se compreende que passado e futuro não existem porque não importa a data de hoje e também não importa se é sábado ou quarta-feira, desde sempre e para sempre é hoje e quando, daqui a cem anos, me ledes ainda será hoje, será agora para ser mais (ou menos) exato.

E quero, depois de ter vivido tudo o que um homem pode viver e sentido tudo o que um homem pode sentir, uma morte comum, um enterro simples com a presença de pessoas sinceras e um sereno triste, para dar um ar de poesia. Se haverá algo depois disso, pouco importa, desde que a vida tenha valido a pena. Carpe Diem.

sábado, 6 de março de 2010

Intimidade

As quintas-feiras eram ansiosamente aguardadas. Era quando eles se encontravam. Dispunham então de uma hora e quarenta minutos. Às vezes ela se arrumava, às vezes não. Mas sempre prestava atenção ao que ele dizia, havia algo de especial nele. Não que ele fosse bonito, tampouco atraente: era romântico e erudito – características as quais ela detestava – entretanto, tinha aquele quê de mistério e aquela postura de homem que a encantavam.

A menina o admirava e talvez o amasse (seu orgulho jamais a permitiria saber). É que aquele homem provocava nela uma espécie de epifania, ele era uma ponte entre ela e ela mesma, ele a atravessava, trespassava-a sem a ferir. E essa sensação de o ter dentro de si parecia divina exatamente por ser essencialmente humana, por ser resultado de um contato íntimo entre aquilo que há de mais humano em duas pessoas. Eram duas almas fazendo amor.

Já ele não se preocupava em criar metáforas as quais significassem tal intimidade sem toques ou carícias. Não se daria o trabalho de tentar compreender tudo aquilo, assimilar, conceituar para, por fim, expressar e compartilhar quando podia simplesmente sentir. Além disso, era ciumento, portanto compartilhar não lhe parecia uma idéia interessante, mas essa parte ele mesmo desconhecia.

E a cada quinta-feira o ritual se repetia. Eles se encontravam em um quiosque, na praia. Ele sempre pedia água de coco enquanto ela parecia querer experimentar tudo o que vendiam lá, a cada semana era um pedido diferente – só não pedia água de coco, pois não gostava. Iniciava-se a discussão. Geralmente alternavam, uma semana discutiam um clássico da literatura nacional, na semana seguinte estavam tratando de um ou outro autor regional contemporâneo e assim mudavam os estilos aleatoriamente. Ao fim dos encontros, eles trocavam críticas a respeito dos textos que eles mesmos compunham, as dela sendo na maioria das vezes mais duras e técnicas – o que revelava a admiração que ela rendia a ele.

Terminadas a críticas, que geralmente o deixavam chateado e confuso, eles combinavam novos temas para os textos da quinta-feira seguinte e seguiam para as dunas. Dali assistiam o pôr-do-sol, durante o qual, por várias vezes ele pensou em transformar aquele amor platônico em amor carnal. Todavia, o mais que chegou a fazer foi beijá-la o rosto, uma vez. Então, quando já escuro, despediam-se cerimoniosamente e se iam, esperar pela próxima quinta-feira.