Porque na iminência do movimento as forças de resistência se igualam à força aplicada. Deveria ser um momento de tensão. Mas não. É a mais perfeita calmaria. É o último instante de calmaria antes do caos. Calmaria, esta, causada por essa quase tensão. Mesma intensidade e direções diferentes. Assim sou eu: duas forças de mesma intensidade - razão e emoção - exercidades em sentidos opostos. Equilíbrio? Tensão camuflada? Eu diria que isso é ser pessoa.




quarta-feira, 30 de junho de 2010

Máscaras

O salão de festas do Buffet D. Lili é simplesmente perfeito.O acesso a ele se dá através de quatro portas simetricamente localizadas e as paredes e o teto são inteiramente revestidas por espelhos, de modo que de qualquer ponto do salão é possível ver todos os outros pontos, além de dar a impressão de multidão.
Esse foi o local escolhido para a formatura de Lucas. Ele estava graduando em História, já tinha emprego garantido e estava de casamento marcado. Vida ganha, alguns diziam, outros diziam vida perdida. A opinião do próprio Lucas ainda não estava definida. Ele viveu tudo na conforme sua idade determinava: foi criança quando deveria ser criança, adolescente quando deveria ser adolescente e agora era adulto e agia, mais uma vez, de acordo com o que esperavam dele. Entretanto, ser jovem é muito atraente, muito mais atraente que ser qualquer outra coisa. O espírito de juventude ainda movia Lucas, além do medo de assumir tantas responsabilidades quanto ele estava prestes a assumir.
Então, nosso amigo decidiu aproveitar a festa: beber tanto quanto aguentasse, rir tanto quanto pudesse, enfim, seria uma noite de diversão para nunca mais se esquecer. E foi o que ele fez. Especialmente porque sua noiva não poderia ir à festa, estaria viajando a trabalho.
Bebeu o que podia e o que não devia, riu, ficou com algumas garotas. E, em algum momento, por uma confusão, uma agitação diferente, não se sabe, por algum motivo todos sumiram do salão e Lucas ficou caído perto de uma das portas. Então, um homem de máscara veio até ele, ajudando-lhe a levantar.
- Tudo bem, parceiro!
- Acho que sim. O que houve aqui?
- Uma confusão, a polícia bateu e todo mundo se mandou. Você deu sorte de não ir em cana.
- É acho que sim. A propósito, eu sou Lucas.
- Eu sou Saul.
Enquanto apertava a mão de Lucas, com a outra mão, Saul tirou a máscara e, para a surpresa de Lucas, havia outra máscara por baixo, essa era simpática e conferia ao novo amigo uma coisa de mistério, educação e inteligência
Saul parecia à vontade, era, também, aluno de História. Foram se conhecendo e se identificando de alguma maneira, torciam para o mesmo time e realizavam atividades comuns, por exemplo, jogavam pôquer aos domingos.
Devido menos à identificação que à quantidade de álcool no sangue de ambos, Saul, retirando a máscara que – adivinha – também estava por cima de uma outra, iniciou um momento de sinceridade profunda, daqueles dignos de bêbados e revelou um segredo que lhe afligia:
- Estou de saco cheio dela. Não aguento mais os ciúmes dela, é isso. E não é só ela não, fica todo mundo querendo que eu faça alguma coisa da minha vida... E se tudo que eu quiser fazer for só pegar uma mochila e botar o pé na estrada? Ou se eu quiser virar padre? Eu ainda não estou pronto e ela vem falar em casamento... Acho que não vai mais dar.
Lucas não sabia o que dizer, talvez nem tivesse prestando atenção ao que o amigo dizia. O máximo que fez foi oferecer o que ainda havia no seu copo a Saul, que tomou o líquido de uma vez só.
Então, de volta do seu passeio por perto da namorada que viajara, Lucas, assim do nada, sugeriu que Saul retirasse as máscaras todas, queria ver o rosto do novo amigo. Saul hesitou mas terminou por ceder e começou a tirar de uma por uma. E, sem saber por que, Lucas,a cada máscara, se assustava. Mas o maior susto foi mesmo quando Saul retirou a última máscara. Tão grande foi o susto que Lucas, atarantado, topou em alguma coisa, caiu e apagou.
No dia seguinte, Lucas acordou com uma forte dor de cabeça, no salão, com um pedaço de um dos espelhos encravado nas mãos.