Porque na iminência do movimento as forças de resistência se igualam à força aplicada. Deveria ser um momento de tensão. Mas não. É a mais perfeita calmaria. É o último instante de calmaria antes do caos. Calmaria, esta, causada por essa quase tensão. Mesma intensidade e direções diferentes. Assim sou eu: duas forças de mesma intensidade - razão e emoção - exercidades em sentidos opostos. Equilíbrio? Tensão camuflada? Eu diria que isso é ser pessoa.




sexta-feira, 23 de abril de 2010

Um verde dia

O sol da manhã entrava pela janela e se deitava sobre o corpo mal coberto dela. Ela foi despertando, bocejando, abrindo os olhos. Acordou. Sentou na cama e de repente se deu conta de que o dia estava verde. Ela se deixou invadir pela verdisse daquele dia, via tudo verde, sentia cheiros verdes, gostos verdes, sentia o verde na pele...

Então, ela levantou, tomou banho, tomou café da manhã com o marido, com quem trocou o mínimo de palavras possível, e saiu. Às oito horas, ligou para a secretária. Disse-lhe que cancelasse com todas as clientes com as quais houvera marcado e que tirasse o dia de folga. Ela saiu sem destino, em busca de – só não sabia de quê.

E ela dirigiu o carro, passeou pelo centro, viu monumentos, viu cartões postais dentre os quais uma Igreja. Não, ela não havia encontrado o que procurava, mas sentiu como que uma vontade enorme de parar o carro e descer. Talvez porque a Igreja fosse verde, não sei, é que ela não pensava naquele instante, era movida apenas por suas vontades. Estacionou o carro em frente à Igreja – o que podia ser considerado um milagre dada a localização da mesma – e foi entrando.

Havia logo na entrada da Igreja um grande livro, era uma Bíblia, não resta dúvida, mas ela nem sequer pensou sobre isso. De dentro do livro, escorria uma fitinha verde, um marcador de páginas. E ela abriu e leu.

Nesse momento ela decidiu fazer alguma coisa. Fez as contas do mês e comparou com seu salário. Percebeu que sobraria alguma coisa. “Essa alguma coisa deve ser mais útil para outra pessoa”, pensou ela.

Correu ao supermercado e comprou muitos mantimentos. Colocou tudo no carro e procurou a comunidade mais carente daquela cidade. Chegando lá, procurou a família mais carente. Descobriu que para chegar à família mais carente teria que deixar o carro. Nesse momento, ela começou a pensar. Então, ela decidiu distribuir os mantimentos por ali mesmo.

Então ela entrou de volta no carro e percorreu o caminho de volta para casa. Ela ainda tentou fingir que a sensação era a mesma. Mas agora ela sabia exatamente que caminho trilhar, sabia para onde queria ir e o que queria esquecer.

Queria esquecer aquela miséria que vira, aquele mau cheiro, a fome nos olhos daquelas crianças. Os corpos apodrecendo a céu aberto, e os cachorros de rua fuçando nos corpos, travando uma briga com ratos enormes, competindo pela carniça humana. Queria esquecer a dor da mãe que tivera acabado de ver o próprio filho assassinado por um traficante da região. Queria esquecer aquele dia que de verde se tornou em cinza.

De volta à casa, pediu a sua empregada que lhe preparasse uma merenda e deitou-se em sua cama Box super confortável, com lençóis limpinhos e cheirosos, ligou o condicionador de ar – pois estava um calor de matar – e chorou. Chorou pela sua própria condição. O que ela sentia não era pena dos outros. Ela desprezava a si mesma.

Como podia ela, uma Doutora, ser tão alienada? Como podia ela ter acreditado que o que passava na TV acontecia somente dentro daquela caixa de energia? E o pior, como podia ela ter chegado tão perto da realidade e ter recuado? Por que ela não foi até a família mais carente?

Perdida depois de condenar a si própria, ela acabou por dormir. Dormiu até o outro dia.

O sol da manhã entrava pela janela e se deitava sobre o corpo mal coberto dela. Ela foi despertando, bocejando, abrindo os olhos. Acordou. Sentou na cama e de repente se deu conta de que o dia não estava verde. Tudo que ela queria esquecer estava ali, diante dela.

Então, ela resolveu terminar o que havia começado. Dessa vez ela não foi ao supermercado. Tirou tudo quanto pôde de dentro de sua despensa e colocou no carro, tendo o cuidado de dividir em sacolas pequenas, pois sabia que o carro não chegaria ao local desejado.

No caminho, passou por uma locadora de carros, alugou um carro mais simples que o seu – não queria chamar atenção. E seguiu para o mesmo lugar que visitara no dia anterior. Os corpos continuavam lá, talvez com menos pedaços e mais mau cheiro. Desceu do carro e procurou novamente a mais carente família do lugar. Então, um menino da comunidade a levou a um local distante mesmo. De muito difícil acesso.

Havia naquele local um amontoado de madeiras com plásticos, formando espécies de barracos.

Então a mulher perguntou:
- Quem de vós é o mais carente neste lugar?
As pessoas que ali estavam olhavam para ela como se não compreendessem o que ela dizia. De fato, não compreendiam. Então, uma criança que ali se encontrava perguntou-lhe:
- Tia, tá tudo bem contigo?
- Sim, criança. Mas me diga, eu trouxe este presente para vocês – disse a mulher mostrando os pacotes de alimentos – me diga, qual é a família que mais precisa disso aqui?
- Oh, tia, de comida? Todo mundo aqui tem fome.
- Sim, mas eu quero saber quem é o mais necessitado.
- Ah! Sou eu, tia. Eu tô com fome!

Então a mulher entregou aqueles pacotes e todos os que trouxera ao garotinho.

E ela foi para casa com uma sensação de que tudo voltara a ser verde e dormiu com a consciência tranquila. Entretanto, nunca mais ela teve coragem de se deixar levar por seus impulsos.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Telepatia



Era fim de tarde na estrada. Buscávamos refúgio,fugíamos. Aquela música me lembrava pés descalços e pouca roupa. Nós tínhamos cara de quem aprontou e não se arrependeu e vai aprontar de novo.

Naquele instante só havia duas coisas: música e silêncio. Mas o silêncio entre nós não incomodava. Ao contrário, fazia de nós cúmplices. Éramos cúmplices de um crime o qual pretendíamos cometer novamente, e novamente e quantas vezes houvesse vontade. Se havia silêncio era porque não havia necessidade de dizer. O encontro de olhares já revelava de maneira tão clara o significado que talvez nem mesmo Vinícius ou Drummond hajam conseguido expressar, que por um segundo eu acreditei em telepatia.

E no segundo seguinte já fiz de nós a mesma alma habitando dois corpos. Eu ri de mim – que bobagem, somos homem e mulher e só. Então ela quebrou o silêncio: “É hora de pensar com a cabeça, né?”

domingo, 4 de abril de 2010

The end

- Tchau!

- Até mais!


- Até logo!


- Fica com Deus


- Se cuida


- Bye-bye!


- Um dia desses, a gente se vê


- Adeus.




Eu ainda não consigo aceitar o fim. Quem foi que disse que tem que terminar? Mas o que dói é que o fim é escolha nossa. Escolhemos o fim porque ele se mascara de recomeço. Parece acréscimo, soma. Mas na verdade é como subtração.

Não, o fim não existe. É claro que termina, é claro que nasce, se desenvolve e morre. Mas “nós” existiremos enquanto eu e/ou você existirmos. Você faz parte de mim e eu de você. E isso não é só poesia. Você se entranhou na minha alma e eu na sua. Mesmo que daqui a três anos já não sintamos falta um do outro, ainda estaremos entranhados um dentro do outro, porque um dia nós nos conhecemos e nos ouvimos e nos entrelaçamos para sempre.Ou não. Talvez ele exista e tudo o que continua seja só a lembrança do que acabou.

Mas uma coisa eu sei: o fim dói. E eu não quero mais o fim. Eu quero ver o tempo parar, quero inércia. Sem dinâmica não pode haver fim. Ou quem sabe a inércia seja o próprio fim – a não ser que seja uma inércia desde sempre para sempre.

E a única coisa que eu sei é que o fim dói.